A medicina integrativa cresce no Brasil porque nasce de uma inquietação legítima: a percepção de que o modelo puramente biomédico, embora essencial, não abrange toda a complexidade do adoecimento humano. O médico que segue esse caminho não busca atalhos. Ele procura ampliar o cuidado, olhando o paciente como um todo, integrando fisiologia, estilo de vida, ambiente e individualidade bioquímica.
Mas essa jornada, apesar de nobre, é marcada por dores intensas: críticas, fiscalização constante, insegurança jurídica e o temor permanente de um Processo Ético-Profissional (PEP). É sobre essa dor silenciosa — mas profundamente real — que trata este artigo.
O Epicentro do conflito: O paradigma da evidência científica
Aqui nasce a maior tensão na vida do médico integrativo.
A posição do Conselho Federal de Medicina
O Conselho Federal de Medicina fundamenta suas decisões na Medicina Baseada em Evidências (MBE). A hierarquia científica privilegia:
- revisões sistemáticas,
- metanálises,
- ensaios clínicos randomizados.
Quando determinada prática não possui este nível de comprovação para uma indicação específica, torna-se: limitada, vista como experimental, ou em uma pior hipótese vedada.
O objetivo declarado do Conselho Federal de Medicina é proteger o paciente de riscos desnecessários.
A posição do médico integrativo
O profissional integrativo não rejeita a Medicina Baseada em Evidências – MBE. Ao contrário ele a utiliza, mas reconhece que ela não esgota a complexidade humana. O médico integrativo valoriza mecanismos fisiopatológicos, estudos observacionais, prática clínica acumulada, individualização terapêutica e o entendimento sistêmico do corpo.
A maior dor aqui é ser acusado de “anticientífico”, quando a intenção é justamente preencher lacunas que a prática tradicional, por vezes, não alcança ou, ainda, complementar os tratamentos convencionais com abordagens que tragam mais conforto, segurança e bem-estar ao paciente. Não se trata de exclusão, mas de complementação, um cuidado estendido que respeita as necessidades individuais de cada pessoa.
E, para que essa ideia fique ainda mais clara, permita-me vestir o terno do advogado e trazer uma reflexão importante sobre igualdade e equidade, conceitos jurídicos que ajudam a traduzir a essência da medicina integrativa.
A igualdade parte da noção de universalidade: a ideia de que todos devem ser regidos pelas mesmas regras, com iguais direitos e deveres. Porém, como sabemos, pessoas diferentes raramente vivem realidades iguais.
A equidade, por sua vez, reconhece justamente isso, que somos diferentes e que, para que haja verdadeira igualdade, é necessário ajustar os tratamentos, caminhos e instrumentos. Equidade significa oferecer a cada indivíduo aquilo de que ele realmente precisa para que todos alcancem as mesmas oportunidades.
É exatamente nessa lente da equidade que a medicina integrativa se sustenta. Ela não pretende romper com a medicina tradicional, mas adequá-la à singularidade do paciente.
O exemplo da ozonioterapia
A antiga Resolução CFM nº 2.181/2018 tratava a ozonioterapia como procedimento experimental, autorizando sua utilização apenas em protocolos de pesquisa clínica formalmente aprovados. Essa limitação, entretanto, foi revista com a publicação da Resolução CFM nº 2.445/2025, que redefiniu parâmetros, autorizou usos específicos e revogou expressamente a normativa anterior:
- autoriza a ozonioterapia como terapia médica adjuvante;
- limita seu uso a indicações específicas (feridas e dor musculoesquelética);
- determina vias de administração;
- exige infraestrutura adequada; e
- e impõe qualificação (RQE) para procedimentos invasivos.
Portanto, quando cumpridas as exigências da nova resolução, o uso da ozonioterapia dentro das hipóteses autorizadas não configura infração ética.
Publicidade Médica: entre a comunicação e o risco
A publicidade médica é regulada pela Resolução CFM nº 2.336/2023, disciplina de publicidade médica.
As principais vedações que impactam diretamente o médico integrativo incluem:
- proibição de promessa de resultados;
- vedação ao sensacionalismo;
- limitações ao uso de “antes e depois”;
- cuidados rigorosos com depoimentos, mas não são proibidos;
- regras específicas para redes sociais como Instagram, TikTok e YouTube.
Para o médico integrativo, isso cria a necessidade de adequar sua comunicação para adotar abordagens específicas sem parecer que está prometendo “cura”, “reversão” ou “transformação metabólica”?
A resposta está na diferenciação a ser observada na linha tênue entre educar e infringir normas éticas.
Por esse motivo, é necessário que o médico integrativo saia das regras convencionais e adote uma comunicação informativa, mais focada em conteúdo educativo, voltado a demonstrar a complementariedade das terapias alternativas e porque elas são importantes para demonstrar a individualidade de cada paciente, em relação aos tratamentos administrados.
O Processo Ético-Profissional como ameaça constante
Para muitos médicos integrativos, o Processo Ético Profissional PEP não é uma possibilidade abstrata: é uma sombra diária.
As denúncias mais frequentes envolvem:
- charlatanismo (Art. 102 do Código de Ética Médica),
- uso de práticas sem comprovação robusta,
- infrações de publicidade,
- eventual indução ao abandono de terapia convencional.
Mesmo que o médico integrativo não recomende suspender tratamentos, a simples percepção equivocada do paciente pode gerar denúncia. E ainda que seja absolvido, o desgaste emocional, reputacional e financeiro já se concretiza.
Por esse motivo, algumas cautelas devem ser adotadas, com objetivo de resguardar o exercício da profissão, quando o médico adota esses tratamentos complementares, o que pode evitar os PEP´s, ou ao menos, preparar elementos robustos para eventual defesa, quando essa for necessária.
A guerra de narrativas e o isolamento profissional
O médico integrativo durante o exercício de suas atividades muitas vezes enfrenta: desconfiança de colegas, afastamento de ambientes hospitalares tradicionais, resistência em sociedades médicas, críticas abertas em redes sociais.
Essa sensação de isolamento, de estar “na contramão”, é outra dor relevante, tão forte quanto a ameaça de um processo administrativo no CRM.
A Zona Cinzenta dos suplementos e nutrientes
A integrativa frequentemente utiliza:
- vitaminas em altas doses,
- nutracêuticos,
- suplementos manipulados,
- fitoterápicos,
- ozonioteraria,
- entre outras terapias alternativas.
Essas práticas enfrentam uma área regulatória nebulosa. Como muitos desses produtos não são “medicamentos” para fins legais, sua prescrição terapêutica exige justificativa ainda mais robusta.
O ônus da prova recai sobre o médico, que deve demonstrar: respaldo científico, plausibilidade fisiológica, segurança, e registro detalhado em prontuário.
A perspectiva Jurídica: Como reduzir riscos de PEP
A segurança jurídica do médico integrativo depende de três pilares:
Em caso de PEP, o médico deve demonstrar fundamentação técnica:
- artigos,
- revisões,
- protocolos internacionais,
- plausibilidade fisiopatológica.
Essas fundamentações técnicas podem ser utilizadas em conjunto ou isoladamente, de acordo com sua robustez. Sendo fortemente recomendado que o profissional já mantenha em seus arquivos digitais referidas fundamentações técnicas que respaldem sua atuação.
O Termo de Consentimento deve registrar:
- a técnica proposta,
- o status perante a ciência e o CFM,
- riscos e alternativas,
- e a afirmação clara de que o tratamento não substitui terapias convencionais.
Esse é um documento simples, mas muito negligenciado pelos médicos, quer pela falta de tempo para organização da parte burocrática da clínica, quer pela falta de conhecimento de sua importância no momento de uma defesa.
Tudo deve estar registrado:
- justificativas,
- evolução clínica,
- literatura utilizada,
O prontuário é a principal ferramenta de defesa, ou seja, é o prontuário médico que irá apontar que o médico não abandonou o tratamento convencional trocando-o por procedimentos complementares.
Conclusão
A dor do médico integrativo é a dor do pioneirismo, desde sempre desbravar novos caminhos exige coragem, cuidado e forte compromisso com as convicções. Por isso esse profissional vive na fronteira entre:
- a medicina tradicional e sua necessária rigidez; e
- e a integrativa, com sua busca legítima por um cuidado mais amplo e personalizado.
O caminho não é confrontar o Conselho Federal de Medicina, mas construir pontes sólidas que permitam ao médico integrativo atuar com segurança ética, clínica e jurídica. Isso passa por cinco eixos fundamentais:
- rigor científico: fundamentar cada decisão clínica em estudos relevantes, literatura atualizada, plausibilidade fisiopatológica e evidências compatíveis com a indicação. Mesmo que não existam ensaios clínicos robustos para a finalidade específica, o médico deve demonstrar coerência científica e justificativa técnica;
- transparência total: manter Termos de Consentimento Livre e Esclarecido individualizados, específicos e detalhados, deixando claro ao paciente o status científico da abordagem, seus riscos, benefícios, alternativas terapêuticas e o caráter complementar da intervenção. A documentação transparente é uma das maiores proteções éticas;
- comunicação ética: adequar redes sociais, sites, palestras e materiais educativos às normas da Resolução CFM nº 2.336/2023, evitando qualquer linguagem que induza promessa de resultado, sensacionalismo, autopromoção ou interpretação equivocada por parte do público. A educação do paciente é possível, mas deve obedecer às regras.
- documentação robusta: manter prontuário completo, contemporâneo e minucioso, registrando toda a linha de raciocínio clínico, com as fontes científicas utilizadas, justificativas terapêuticas, evolução do paciente, retorno esperado e monitoramento dos riscos. O prontuário é a prova material da boa prática médica e o elemento central em qualquer defesa ética;
- conhecimento regulatório: compreender os limites legais e éticos que regem terapias complementares, suplementos, nutracêuticos, práticas integrativas e procedimentos recém-regulamentados (como a ozonioterapia pelas Resoluções CFM nº 2.445/2025 e nº 2.336/2023). O médico deve saber exatamente até onde pode ir, e o que está proibido, para evitar enquadramentos indevidos em práticas não autorizadas. .
Assim, é possível inovar sem colocar sua prática e seu registro profissional em risco. Com segurança técnica, ética e jurídica, a medicina integrativa se fortalece e ganha legitimidade.
É certo que, de acordo com sua especialidade, métodos terapêuticos e dinâmica de atendimento, será necessário realizar ajustes específicos, sempre com o acompanhamento de um advogado especializado em direito da saúde que compreenda profundamente a sua prática, ou seja, de forma tão integrativa quanto aquela exercida no seu consultório.
FAQ
Resumo do artigo
Não. Ela autoriza apenas para situações específicas.
Sim, somente para fins educativos e de acordo com as regras estritas da Res. 2.336/2023, sem promessa de resultado ou manipulação de imagens.
Sim, quando utilizados com finalidade terapêutica sem respaldo adequado ou sem justificativa registrada.
Sim. Com TCLE detalhado, prontuário minucioso, fundamentação científica e comunicação adequada. Orienta-se que seja redigido com auxílio de advogado, para que seja adaptado à realidade prática do médico.
Sim. Infrações éticas independem da existência de dano concreto. Por esse motivo é importante ter orientação jurídica especializada em direito de saúde para orientação adequada a prática do profissional da área da saúde.



